Divina Providência #296

By Emanuel Swedenborg

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296. Assim, para que a Divina Providência com os maus seja claramente percebida e, por conseguinte, compreendida, as proposições acima devem ser explicadas na série em que foram referidas. Primeiro: Há coisas inumeráveis em cada mal. Cada um dos males se apresenta diante do homem como uma coisa simples. Assim se apresentam o ódio e a vingança, o furto e a fraude, o adultério e a escortação, a soberba e a altivez da mente, além de outros, e não se sabe que em cada mal há coisas inumeráveis, em maior número do que no homem há fibras e vasos, pois o homem mau é um inferno na mínima forma e o inferno consiste de miríades de miríades, e cada um ali é, em forma, como um homem, embora monstruoso, e todas as fibras e todos os vasos nele estão invertidos. O espírito mesmo é um mal que aparece a si mesmo como se fosse um só, mas as coisas nele são tão inumeráveis quanto as concupiscências de seu mal. Com efeito, cada homem é seu mal ou seu bem, da cabeça à planta dos pés. Como, pois, o homem mau é assim, é evidente que ele é um único mal composto de várias coisas inumeráveis, que são distintamente más e chamadas concupiscências do mal. Daí se segue que todas essas coisas, na ordem em que estão, são reparadas e convertidas pelo Senhor para que o homem possa ser reformado, e isso não pode ser feito senão gradativamente pela Divina Providência do Senhor, desde a primeira idade do homem até à sua última.

[2] Toda concupiscência do mal aparece no inferno, quando é representada, como um animal nocivo, seja como um dragão, como um basilisco, como uma víbora, como um mocho, como uma coruja e assim por diante. Aparecem do mesmo modo as concupiscências do mal num homem mau, quando ele é visto pelos anjos. Todas essas formas de concupiscências devem ser convertidas uma a uma. O homem mesmo que, quanto ao espírito, aparece como um monstro ou um diabo, deve ser convertido para que seja como um anjo belo, e cada concupiscência do mal deve ser convertida para que apareça como um cordeiro ou uma ovelha, ou uma pomba ou uma rolinha, do mesmo modo que as afeições do bem dos anjos do céu aparecem, quando são representadas. E converter um dragão num cordeiro, um basilisco numa ovelha, um mocho numa pomba, não pode ser feito senão gradativamente, erradicando-se o mal de sua semente e implantando-se no seu lugar a boa semente. Mas isso não pode ser feito de outra maneira senão como se faz com um enxerto das árvores, das quais permanecem as raízes com alguma coisa do tronco, mas sempre o ramo enxertado transforma a seiva, extraída por meio da antiga raiz, seiva essa que produz bons frutos. Esse ramo enxertado não pode ser tomado de outra parte senão do Senhor, que é a Árvore da vida, o que é também segundo as palavras do Senhor em João 15:1-7.

[3] Segundo. O mau por si mesmo se lança em seus males continuamente mais profundos. Diz-se "por si mesmo" porque todo mal vem do homem, pois ele muda em mal todo bem que vem do Senhor, como acima se disse. A causa mesma de o mau se lançar mais profundamente no mal é que ele se introduz em sociedades infernais cada vez mais interiores e também cada vez mais profundas, à medida que quer e faz o mal. Assim aumenta também o prazer do mal, e este ocupa tanto seus pensamentos que finalmente ele nada sente de mais doce. E quem se introduz interior e profundamente nas sociedades infernais torna-se como que amarrado com correntes, mas, enquanto vive no mundo, não sente essas correntes senão como se fossem feitas de lã macia ou de leves fios de seda, que ele ama porque dão agradável prazer. Após a morte, porém, essas correntes, de macias se tornam duras e de agradáveis se tornam contundentes.

[4] Que o prazer do mal aumente, isso é notório pelos furtos, latrocínios, saques, vinganças, dominações, lucros e outras coisas. Quem é que não sente elevações do prazer nessas coisas conforme obtém sucesso e conforme seu exercício não é inibido? É notório que o ladrão sente tanto prazer nos furtos que não pode desistir deles; e – o que é de se admirar – ama mais uma moeda roubada do que dez moedas dadas gratuitamente. Dar-se-ia semelhantemente com os adultérios, se não tivesse sido provido que esse mal diminuísse em potência segundo o abuso; mas sempre permanece em muitos o prazer de pensar e de falar tais coisas e, se não mais, pelo menos o libido do tato.

[5] Mas ignora-se que isso vem do fato de a pessoa se introduzir nas sociedades infernais cada vez mais interiormente e cada vez mais profundamente à medida que comete os males pela vontade e ao mesmo tempo pelo pensamento. Se os males estiverem somente no pensamento e não na vontade, ele não está ainda com o mal numa sociedade infernal, mas entra ali quando os males estão também na vontade. Se, então, pensa que esse mal é contra os preceitos do decálogo, os quais tem como Divinos, então os comete por propósito e, por isso, mergulha profundamente, de onde não pode ser tirado senão por uma penitência efetiva.

[6] Cumpre saber que todo homem, quanto a seu espírito, está no mundo espiritual, em alguma sociedade ali; o homem mau numa sociedade infernal e o homem bom numa sociedade celeste, onde até aparece, às vezes, quando está em elevada meditação. Além disso, assim como o som com a linguagem se espalha no ar no mundo natural, também a afeição com o pensamento se espalha nas sociedades no mundo espiritual. Existe até uma correspondência, pois a afeição corresponde ao som e o pensamento, à linguagem.

[7] Terceiro: A Divina Providência com os maus é uma contínua permissão, a fim de que sejam continuamente retirados do mal. Que a Divina Providência nos maus seja uma contínua permissão é porque da vida deles não pode provir outra coisa senão o mal. Pois o homem está ou no bem ou no mal; não pode estar em um e outro ao mesmo tempo, nem por alternações, a não ser que seja morno; e não é pelo Senhor, mas é pelo homem que o mal da vida é induzido na vontade e, por esta, no pensamento. E isto se chama permissão.

[8] Ora, visto que todas as coisas que o homem mau quer e pensa são permissões, pergunta-se o que é, então, a Divina Providência aí, que se diz estar nos mais singulares de cada homem, tanto o mau quanto o bom. Mas ela consiste nisto, que permite continuamente para um fim, e as coisas que permite são tais as que pertencem ao fim e não outras. E continuamente examina, separa e purifica os males que saem da permissão, e as coisas inconvenientes expele e expulsa por vias desconhecidas. Essas operações ocorrem principalmente na vontade interior do homem e, por esta, em seu pensamento interior. A Divina Providência é contínua também no fato de prover que as coisas que devem ser expelidas e expulsas não sejam recebidas de volta pela vontade, porquanto todas as coisas recebidas pela vontade são apropriadas ao homem, e as que são recebidas pelo pensamento e não pela vontade são separadas e banidas. Esta é a contínua Providência do Senhor nos maus, a qual é, como foi dito, uma contínua permissão a fim de que haja uma perpétua retirada dos males.

[9] Sobre isso o homem dificilmente conhece alguma coisa, pois nada percebe. A razão principal de não perceber é porque os males pertencem às concupiscências do amor de sua vida, e esses males não são sentidos como males, mas como prazeres, aos quais ninguém presta atenção. Quem presta atenção aos prazeres de seu amor? Neles seu pensamento nada como uma barca que é levada na correnteza do rio, e são percebidos como uma atmosfera de cheiro perfumado que é inalada à plena aspiração. Pode somente sentir alguma coisa deles no seu pensamento externo, mas tampouco aí lhes presta atenção, a não ser que saiba bem que são males. Mas, a este respeito, muitas coisas se dirão na sequência.

[10] Quarto: A retirada dos males pelo Senhor se faz por mil modos, mesmo os mais secretos. Dentre eles, somente alguns me foram revelados, mas apenas os mais comuns, que são: os prazeres das concupiscências, de que o homem nada sabe, são lançados em grupos e feixes nos pensamentos interiores, que pertencem ao espírito do homem e, daí, nos seus pensamentos exteriores, nos quais se apresentam sob um certo sentido de volúpia, de agrado ou de desejo, misturado com seus prazeres naturais e sensuais. Ali há meios de separação e de purificação, como também vias de retirada e expulsão. Os meios são principalmente os prazeres da meditação, do pensamento, da reflexão por causa de alguns fins, que são dos usos; e os fins que são dos usos são tantos quanto as coisas particulares e singulares dos negócios e das funções de alguém. Depois, também, são tantos quanto são os prazeres da reflexão para o fim de se apresentar como homem civil e moral e, também, como homem espiritual, além dos desprazeres que se interpõem. Esses prazeres, como são de seu amor no homem externo, são meios de separação, de purificação, de eliminação e de retirada dos prazeres das concupiscências do mal do homem interno.

[11] Seja, por exemplo, um juiz injusto, que visa os lucros ou as amizades como fins ou como usos de sua função: interiormente ele está sem cessar nesses fins, mas exteriormente visa agir como jurisconsulto e justo. Ele está continuamente no prazer da meditação, do pensamento, da reflexão e da intenção, para torcer o direito, mudá-lo, adaptá-lo e acomodá-lo até que pareça conforme a lei e análogo à justiça. Não sabe que seu prazer interno consiste em astúcias, fraudes, dolo, furtos clandestinos e muitos outros, e que esse prazer, composto de tantos prazeres das concupiscências do mal, domina em todas e cada uma das coisas externas do pensamento, no qual estão os prazeres da aparência de que é justo e sincero. Nesses prazeres externos caem os prazeres internos, e são misturados como a comida no estômago. Ali são separados, purificados e extraídos, mas somente os prazeres das concupiscências do mal que são mais graves.

[12] Mas no homem mau não existe outra separação, purificação e extração a não ser dos males mais graves e dos menos graves, enquanto no homem bom existe separação, purificação e extração dos males, não somente dos mais graves mas também dos menos graves. E isto se faz pelos prazeres das afeições do bem e do vero, como também do justo e do sincero, nos quais entra tanto quanto os males são considerados como pecados e, por isso, foge deles e lhes tem aversão, e ainda mais quando luta contra eles. Estes são os meios pelos quais o Senhor purifica todos os que são salvos. Purifica-os também, por meios externos, que pertencem à reputação, à honra e, às vezes, ao ganho, mas estes são inseridos pelo Senhor nos prazeres das afeições do bem e do vero, pelos quais são dirigidos e acomodados para que se tornem prazeres do amor ao próximo.

[13] Se alguém visse os prazeres das concupiscências do mal juntos em alguma forma, ou se os percebesse distintamente por algum sentido, veria e perceberia que são em tal número que não podem ser definidos, pois todo o inferno não é senão uma forma das concupiscências do mal, e ali nenhuma concupiscência do mal é inteiramente semelhante à outra ou a mesma, nem pode existir uma inteiramente semelhante ou mesma que outra na eternidade. E dessas coisas inumeráveis o homem dificilmente conhece alguma, ainda menos que elas sejam tão ligadas. E, todavia, o Senhor, por Sua Divina Providência, permite continuamente que elas saiam, a fim de serem extraídas, o que acontece em toda ordem e série. O homem mau é um inferno na menor forma, assim como o homem bom é um céu na menor forma.

[14] Que a retirada dos males se faça pelo Senhor por mil modos, mesmo os mais secretos, não se pode ver e, assim, concluir melhor do que pelos arcanos sobre as operações da alma no corpo. Dentre as que o homem conhece estão estas: ele vê o alimento que vai comer, percebe o cheiro, apetece-o, saboreia-o, mastiga-o com os dentes e pela língua o faz descer ao estômago. Mas as operações secretas da alma de que o homem nada conhece, porque não as sente, são estas: o estômago rola o alimento recebido, por meio de líquidos os abre e separa, isto é, digere-o, e conduz as partes convenientes a pequenas bocas ali abertas e às veias que elas embebem; envia algumas dessas partes ao sangue, algumas aos vasos linfáticos, algumas aos vasos lácteos ou mesentéricos e algumas aos intestinos. Depois, o quilo, retirado de sua cavidade ou mesentério pelo duto torácico, é levado à veia cava e, assim, ao coração, do coração ao pulmão e, dali, pelo ventrículo esquerdo do coração, à aorta e desta, pelas ramificações, às vísceras de todo o corpo e também aos rins, onde, em cada um deles, faz-se a separação, a purificação e retirada dos heterogêneos. Sem falar de que maneira o coração envia ao cérebro o seu sangue que foi purificado no pulmão, o que se faz pelas artérias que se chamam carótidas, e de que maneira o cérebro reenvia o sangue vivificado à veia cava mencionada acima, onde o duto torácico conduz o quilo e, assim, de novo ao coração.

[15] Estas, além de outras inumeráveis, são as operações secretas da alma no corpo. Delas o homem nada sente, e quem não é conhecedor da ciência da anatomia nada sabe. E, todavia, operações semelhantes ocorrem nos interiores da mente do homem, pois nada pode ser feito no corpo se não for daí. Com efeito, a mente do homem é seu espírito, e o espírito é igualmente homem, com a única diferença de que as coisas que se fazem no corpo, fazem-se naturalmente, e as que se fazem na mente, espiritualmente. Há uma perfeita semelhança. Por aí se vê que a Divina Providência opera em cada homem por mil modos, mesmo os mais secretos, e, assim, é contínua no propósito de purificá-lo, porque está no propósito de salvá-lo. O homem não tem de se incumbir de outra coisa senão remover os males no homem externo. As demais o Senhor provê, se a Ele se implorar.

  
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Divina Providência, por Emanuel Swedenborg. Publicado em latim em Amsterdã no ano de 1764. Do latim Sapientia Angelica de Divina Providentia. Tradução: Cristóvão Rabelo Nobre, Revisão: Jorge de Lima Medeiros